quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

O que é a fotografia autoral

Fotografo tudo aquilo que me causa emoção.É a emoção que busco em cada foto. O sentimento. A poesia. Costumo dizer que a fotografia é a minha forma de fazer poesia através de imagens. Ao olhar para uma fotografia, mesmo que de pessoas desconhecidas, preciso que ela me desperte algo. E isso é bastante pessoal porque uma foto pode despertar algo em mim e não despertar a mesma coisa em outras pessoas.

É por isso talvez que não gosto de fotos com pose. Fotos com pose não me dizem nada. As pessoas todas ali unidas e com sorrisinhos do mesmo tamanho não me dizem nada. A foto tem que me contar uma história.

Se tiver que definir a minha fotografia eu digo: o que faço é fotografia autoral. Na fotografia autoral o fotógrafo se assume como autor, mas não exatamente como criador. Na fotografia de moda (que também amo) eu crio fotos porque tenho todo o trabalho de produzir aquela imagem tal qual aparece no resultado final. A maquiagem e vestuário serão pensados e planejados de acordo com a mensagem que se deseja passar e tudo isso será criado ao pormenor juntamente com as orientações aos modelos. O que acontece na fotografia autoral é que a história está ali diante dos nossos olhos e há várias maneiras de contá-la. O que difere a fotografia autoral de uma fotografia comum é que na fotografia autoral o fotógrafo tem essa liberdade de poder contar a história da maneira que bem deseja.

A fotografia autoral não traz fotos indispensáveis num álbum. Ela traz fotos que fariam falta ao fotógrafo caso ele não tivesse tido a idéia de registrar aquele momento. A foto abaixo é um exemplo disso. A avó dava uma bronca na neta e ela respondia com esse olhar meigo e sapeca. Talvez não fosse necessário registrar esse momento... logo o momento de uma bronca. Talvez não fizesse falta para ninguém. Mas fazia falta para mim. Ao ver esse momento que durou alguns poucos segundos me veio a imagem da infância. Veio toda essa carga emocional. Eu tinha que fazer essa foto e tinha um segundo só.


O que faz com que as fotos autorais sejam tão diferentes é justamente o fato de ela ter tanto da identidade do seu autor (neste caso o fotógrafo). Não consigo fotografar algo que não tenha nada a ver comigo. Algo com o qual eu não me identifique.

Ao tirar a foto da "bronca" eu lembrei-me instantaneamente de uma tia minha já falecida e que corria atrás do meu primo com um chinelo. Hoje vejo que este foi um dos momentos mais marcantes da nossa infância. E como gostaria de ter uma foto dela assim correndo atrás dele com o chinelo. Creio que os meus primos também.

E é por isso que a fotografia autoral é tão difícil de "copiar". É que para outro fotógrafo produzir a mesma fotografia ele teria que ter as mesmas lembranças que tenho. É como se ao fotografar coisas e pessoas eu também estivesse a fazer o meu próprio auto-retrato. É muito fácil dar um click quando as pessoas estão ali paradas na nossa frente sorrindo. Na fotografia autoral tudo influencia: os livros que leio, as músicas que ouço, as viagens que fiz, o que penso e sobretudo o que sinto.

É por isso que uma fotografia autoral pode ser amada ou odiada ou mesmo ganhar um olhar indiferente de quem a vê. É que depende também de a pessoa se sentir identificada com aquela imagem. Uma pessoa que não goste de casamentos por exemplo, ou que não acredite no casamento, ou que não tenha uma visão minimamente romântica da vida, muito dificilmente gostará de uma foto autoral de casamento. Mas é aí que entra a liberdade do fotógrafo autoral e aí que ele realmente se define como fotógrafo autoral: quando ele continua fazendo as suas fotos independente das críticas ou elogios. É que ele tem como defender essa foto. Ele sabe a razão de ela ter sido feita desta e não de outra maneira. E suas razões são muito mais internas e pessoais do que geralmente técnicas.

A fotografia autoral requer tempo. A fotografia que um fotógrafo autoral espera pode surgir agora ou talvez dentro de horas. Talvez nem hoje. De fato ele ainda nem sabe que foto será esta.

Tudo o que é importante na vida de um fotógrafo autoral o inspira. No momento que escrevo essas linhas cai uma chuva fresca lá fora e o cheiro da terra molhada invade meu quarto. E eu penso em imagens de tudo o que já vi e inclusive imagens do que ainda não fiz.

O mais difícil para um fotógrafo autoral é registrar uma coisa que ele não sente. Vamos ao exemplo do casamento... A minha solução é primeiro cuidar daquela que considero como a parte chata do trabalho (ou seja... tirar aquelas fotos-padrão que a mim não dizem nada mas que sei que são importantes para quem me contratou) e depois disso sim... me divirto... me permito fazer as fotos que realmente gosto de fazer.

Encaro a fotografia como uma arte e não como um trabalho mecânico. É como um escritor que antes de escrever a primeira linha do seu livro de 458 páginas até pode saber o que pretende contar mas não sabe exatamente quais palavras irá utilizar para contar aquela história. E há tantas palavras! A fotografia vai se compondo... assim como o livro. Você pode ter uma idéia certa daquilo que pretende escrever e no meio da história se surpreender com uma idéia nova. E a fotografia pronta é como ter em mãos o livro de 458 páginas publicado e saber toda a sua história... mas não saber contá-lo com as mesmas palavras se tivesse que escrevê-lo novamente apenas com a própria voz.

A fotografia autoral não tem uma voz só. Ela tem a voz de quem foi retratado e a voz do fotógrafo que que registrou aquele momento assim com também a de tantas outras pessoas que se identificam e se permitem entrar naquela mesma fotografia. A fotografia vive.

Nenhum comentário:

Postar um comentário